A maioria das sociedades empresarias no Brasil são do tipo ‘por cotas’, prevendo a responsabilidade limitada dos sócios ao capital da empresa e , em última análise, ao valor das cotas de cada um.
Isso faz todo o sentido: a atividade empresária é uma atividade de risco e não deve o empresário suportar esse risco de maneira a comprometer seus bens pessoais. A meu ver, não faz sentido exigir esse tipo de sacrifício, do contrário o desestímulo à atividade empresaria prevaleceria.
Bem, essa é a teoria.
Na prática, o empresário responderá de forma ilimitada (com seus bens pessoais) por diversas dívidas que a sociedade – pessoa jurídica distinta dos sócios – contrair. Inclusive, esse tipo de situação é alvo de estudo científico que faço para a conclusão de minha especialização em direito Empresarial.
De forma muito breve, exponho alguns casos (sem me aprofundar na explicação das hipóteses) que deveriam ser do conhecimento de todos aqueles que têm empresa ou pensam em ter: faz parte de qualquer empreendimento (na vida, até) identificar os riscos envolvidos para ter capacidade de tomar decisões conscienciosas e responsáveis. No direito empresarial, antecipar essas situações pode prevenir grandes perdas financeiras.
Direito do Trabalho:
Os Tribunais trabalhistas entendem que o crédito trabalhista é superior a qualquer outro direito patrimonial: a natureza alimentar, de subsistência, daria esta hiper-importância aos valores que o trabalhador tem a receber.
Esse entendimento prevalece inclusive sobre disposições legais, o que, a meu ver, é arbitrário e prejudica o desenvolvimento econômico do país.
Independente da opinião que cada um tem – fundamentada ou não – é bom ter em mente que os débitos trabalhistas poderão ser cobrados diretamente dos sócios, administradores e empresas do grupo não diretamente ligadas ao trabalhador: nenhum obstáculo será impedimento para a satisfação desse crédito.
Para ilustrar a situação, informo que o TRT (Tribunal Regional do Trabalho) de São Paulo já decidiu que bem imóvel de alto valor (1,5 milhão), ainda que gravado como ‘bem de família’ e, portanto único imóvel do sócio, pode ser penhorado para satisfazer dívidas trabalhistas!*
Direito tributário:
Inicialmente, há a previsão de responsabilidade dos sócios e qualquer um que tenha poderes administrativos na sociedade se houver atuação contrária ao contrato social/estatuto ou à lei. Haverá responsabilidade solidaria dos sócios quanto aos débitos fiscais no caso de liquidação da sociedade, o que significa que no encerramento da empresa, caso esta não tenha ativos suficientes para cumprir suas obrigações fiscais, a receita poderá executar os sócios. Vejamos:
Art. 134 - Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
Art. 135 - São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
No Direito civil:
O art. 50 do Código Civil prevê a desconsideração da personalidade jurídica em caso de abuso da PJ por desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Havendo desconsideração, o credor pode executar os bens do sócio para satisfazer dívida contraída com a sociedade.
O contrário também é possível: o credor pessoal do sócio pode ‘ir atrás’ dos bens da sociedade quando houver indícios de que o sócio tentou fraudar sua execução pessoal desviando bens pessoais ao patrimônio da PJ.
Isso é o que se entende pó ‘confusão patrimonial’: pessoa jurídica e as pessoas físicas que a compões são personalidades com patrimônios distintos e, portanto, os mesmo não podem, seguindo a lei, misturarem-se. Significa dizer que o empresário não pode fazer uso pessoal de veículo que componha o patrimônio da empresa, podendo somente usar o mesmo para finalidades que atendam o desenvolvimento da sociedade.
No Brasil, essa situação é extremamente freqüente em micro e pequenas sociedades, sem que isso caracterize má-fé do empresário.
Mesmo que eu não concorde com a hipótese de desconsideração por motivo de confusão patrimonial, ela é prevista em lei e pode causar problemas ao empresário.
Cabe dizer que cabe ao credor fazer prova dos requisitos para desconsideração.
No Direito do consumidor:
O direito do consumidor, assim como o trabalhista, não exige nenhum requisito para que os bens dos sócios sejam atingidos por débitos da empresa, bastando que não haja meios suficientes do adimplemento da obrigação pela pessoa jurídica. Vide o art. 28:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 1° (vetado)
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
O legislador consumeirista titula erroneamente o artigo como hipóteses de desconsideração, mas isso é uma crítica teórica que fica para outro momento: para minha monografia que pretende virar livro :- )
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Não esgoto o tema aqui (havendo ainda, outras possibilidades de responsabilização do patrimônio dos sócios), mas faço deste post um alerta para a necessidade de um estudo de ‘gestão do patrimônio’, que pode evitar que erros inocentes se transformem em prejuízos financeiros vultuosos, além de ensejar um desgaste emocional sem tamanho para o sócio e sua família.
*[1] Bens de família vultuosos são penhorados pela Justiça do Trabalho
A residência onde mora o ex-sócio de uma empresa em São Paulo, avaliada em cerca de R$ 1,5 milhão, foi penhorada pela Justiça do Trabalho para o pagamento de uma dívida. Para a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, a impenhorabilidade do bem de família, garantida por lei, não pode conduzir ao que os magistrados chamaram de "absurdo", ao permitir que o devedor mantenha o direito de residir em imóvel considerado "suntuoso" e de "elevado valor". Com a venda do bem, segundo a decisão, seria possível pagar a dívida estimada em R$ 200 mil e ainda permitir que o devedor adquira uma nova "digna e confortável" moradia.
Esse não é o primeiro caso da Justiça do Trabalho no qual os juízes atenuam a regra da impenhorabilidade absoluta do bem de família, prevista na Lei nº 8.009, de 1990. A norma estabelece que o imóvel onde a família reside, além dos demais bens que a compõem - como geladeira, fogão, entre outros - não podem ser vendidos para quitar débitos do proprietário. Antes mesmo da existência dessa lei, o Código de Processo Civil (CPC), de 1973, já tratava do tema. No entanto, há outras decisões, pelo menos nos TRTs de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, que penhoraram residências de família consideradas luxuosas, diante da inexistência de qualquer outro bem que pudesse satisfazer a dívida. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), no entanto, ao que se tem notícia, não tem ainda nenhum caso em que tenha aceitado essa flexibilização.
A 5ª Turma do TRT de Minas Gerais, por exemplo, determinou a redução pela metade do terreno onde está construída a casa de um empresário com dívidas trabalhistas. O terreno possui 1.384 metros quadrados. Os desembargadores entenderam que o desmembramento não desrespeita a proteção legal ao bem de família, pois o sócio permanecerá com a propriedade da parte do terreno onde está sua residência.
A venda de vagas em garagem do imóvel do devedor também podem ser usadas para finalizar a execução, desde que elas possuam registro imobiliário distinto da propriedade. O entendimento foi recentemente aplicado pelo desembargador Davi Furtado Meirelles, no TRT de São Paulo, ao citar decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que também permitiu esse tipo de penhora.
O relator da penhora da residência suntuosa em São Paulo, desembargador Davi Furtado Meirelles, afirmou em seu voto não poder sustentar que a execução do crédito trabalhista chegue a excluir a proteção do bem de família. "O que entendo é que a interpretação da regra que assegura essa proteção não pode conduzir ao absurdo de se concluir que o devedor tem direito de proporcionar a si e a sua família uma residência luxuosa, enquanto que seu credor pode, eventualmente, não ter sequer um teto miserável para abrigar a si e aos seus". Esse entendimento, foi seguido pelos demais magistrados da Corte paulista.
Para a advogada Helena Cristina Bonilha, do Bonilha Advogados, os juízes do trabalho conseguiram encontrar formas de coibir abusos de alguns devedores, que se escondem atrás da lei que trata da impenhorabilidade do bem de família para não pagar suas pendências, e passam a morar em casas altamente luxuosas. Para ela, a ideia do legislador ao editar a lei era proteger a família do devedor e garantir que tivessem uma moradia. "Mas passados 20 anos da norma, alguns mal-intencionados começam a usar essa regra como forma de fugir de suas obrigações", diz. As decisões, segundo o advogado Diego Bridi, do Nogueira da Rocha Advogados, pretendem dar mais efetividade para as execuções trabalhistas, muitas vezes frustradas por ausência de bens no nome do devedor. Para ele, com o avanço na busca de bens e da jurisprudência trabalhista a tendência é que exista cada vez mais casos de execuções finalizadas.
Na opinião do juiz do trabalho Rogério Neiva, que atua em Brasília, a lógica da impenhorabilidade tem que evoluir de acordo com o desenvolvimento da sociedade. Para ele, se hoje é possível pensar em outras formas de patrimônio, como os investimentos em ações na bolsa, por exemplo, também podem ser encontradas alternativas para localizar esses bens. A depender do caso, se não houver outra possibilidade, pode-se pensar em algum tipo de mecanismo que permita a limitação patrimonial.
O advogado Marcel Cordeiro, do Salusse, Marangoni Advogados, no entanto, acredita que essas decisões são temerárias. Para ele, não se pode minimizar os efeitos da impenhorabilidade se não existe base legal para isso. Ele cita uma recente decisão nesse sentido do TRT da 23ª Região (MT). No acórdão, os desembargadores ressaltam que o projeto de lei no qual se originou a Lei nº 11.382, de 2006, responsável pela última grande reforma processual civil, com ênfase na execução, havia um parágrafo que autorizava a penhora do imóvel considerado bem de família, se esse valor fosse superior a mil salários mínimos. Como o dispositivo foi vetado pelo presidente ficou prevalecendo, segundo os desembargadores, o caráter absoluto da impenhorabilidade desses bens.
Fonte: valoronline.
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