Fato narrado: “Um amigo meu sofreu um acidente grave numa ciclovia provocado por outro ciclista. O tal ciclista fugiu e não prestou socorro. Meu amigo bateu a cabeça no meio fio e foi internado em estado grave num hospital do Rio. Esse incidente, infelizmente, é comum nas ciclovias onde não há respeito a velocidade permitida, nem muito menos as faixas sinalizadoras.”
Vamos aos fatos jurídicos:
A vítima encontrava-se na ciclovia quando foi atingida por outro ciclista.
Código de Trânsito Brasileiro - Art. 255. Conduzir bicicleta em passeios onde não seja permitida a circulação desta, ou de forma agressiva, em desacordo com o disposto no parágrafo único do art. 59:
Infração - média;
Penalidade - multa;
O agressor (agente do fato) fugiu sem prestar socorro.
A conduta de omissão de socorro por si só já é crime:
Código Penal. - Omissão de Socorro: Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
No entanto, no caso exposto, havendo a fuga, e consequente omissão de socorro, por motivo de cometimento de crime mais grave, a falta de socorro será considerada agravante de pena do crime cometido, qual seja: lesão corporal.
Pela narração, não é possível determinar em que categoria jurídica enquandram-se as lesões, mas explico:
Lesão corporal leve é aquela que não está descrita em nenhum dos resultados indicados no artigo (ver abaixo). Dou como exemplo uma agressão suficiente para deixar hematomas, mas não afastando a vítima do trabalho por mais de 30 dias.
A lesão corporal grave é indicada no §1º do art. 129, a a gravíssima, no §2º.
Entendo que no caso relatado uma das duas (grave ou gravíssima) deve ter acontecido. Para comprovar a natureza da lesão (grave ou gravíssima), necessário laudo pericial devidamente fundamentado.
Segue abaixo o referido artigo:
Lesão corporal
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º - Se resulta:
I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
§ 2º - Se resulta:
I - incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incurável;
III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
Lesão corporal seguida de morte
§ 3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado,
nem assumiu o risco de produzi-lo:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Diminuição de pena
§ 4º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral
ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o
juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição da pena
§ 5º - O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de
multa:
I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa
§ 6º - Se a lesão é culposa:
Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.
Aumento de pena
§ 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, §
4º34.
§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121[i]
Explico ainda que, pelo exposto, seria pláusivel entender que houve lesão corporal culposa (sem dolo, sem vontade de provocar o fato), e nesse caso o processo trancorreria perante o Juizado Especial Criminal e a pena seria tão pequena quanto irrelevante. (sobre esta mazela – as penalidades aplicadas no Juizado Especial Criminal – já discorri anteriormente neste blog)
PORÉM, é também possível entender que houve “dolo eventual”.
O “dolo eventual” é, obviamente, dolo. (sai da esfera culposa). Esta espécia de dolo é aquela na qual o agente, mesmo sem pretender atingir um resultado específco (por exemplo, atingir e ferir a pessoa X), ele assume o risco de fazê-lo pois é ciente do risco da sua conduta. O fato dele ter fugido ampara esta tese pois dá indícios do caráter negligente e do desprezo que tem pela vida alheia.
Nesse sentido, recomendo ir a delegacia e exigir abertura de inquérito e posterior ação penal (A ação penal é de titulariedade do promotor, mas se ele não propô-la é possível contratar advogado para fazê-lo).
Na verdade, recomendo desde já contratar um advogado, pois o atendimento em delegacia é péssimo, e se não ficar ligando 2 ou 3 vezes por semana, nada acontece. Isso é o que tenho visto, mas talvez você encontre uma delegacia eficiente. (se achar, me avise onde!)
Necessário levar todos os documentos comprobatórios que possuir (tais como laudo do médico, prontuário com data da entrada no hospital, nome de testemunhas, etc.).
Imagino o nome do agente é desconhecido, então o melhor que se pode fazer é uma descrição e até mesmo uma ‘pesquisa própria’ perguntando nos arredores se o sujeito é conhecido por alguém.
Lembre-se: ninguém tem obrigação de saber os dados do agressor. Isso é trabalho investigativo da polícia, que tem, por obrigação, aceitar lavrar BO do fato narrado.
Em resumo, peça que o crime seja configurado como lesão corporal com dolo eventual, com agravante de pena por motivo de omissão de socorro.
Reafirmo que o melhor é contratar um advogado para acompanhar o caso (se não me enagano, a OAB disponibiliza advogados dativos para pessoas que não podem, arcar com a contratação, se for o caso).
Encontrando o agente, caberá ainda indenização cível.
É possível atuar somente na esfera criminal, somente na cível, ou em ambas.
De forma resumida, é isso.
[i] Art. 121 (…)
Aumento de pena
§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de
inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar
imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para
evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um
terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60
(sessenta) anos. (grifos próprios)
Muito obrigada mesmo pelas informações.
ResponderExcluirE parabéns por um blog tão informativo sobre os mais variados pontos jurídicos.
Abraços,
Maria Gorete
É um prazer, Maria Gorete. Precisando, estamos aí:-) obrigada pelo elogio! abraço!
ResponderExcluirNossa!!! ,adoramos sua iniciativa de colocar a situacao do nosso Filho Vinicius, neste blog.
ResponderExcluirPOdera sem duvida nenhuma ajudar alguem que passe por este infortunio que passamos. Gracas a Deus que ele esta se recuperano muito rapido.
abracos a voce, joao e Lindalva
à Cervejeiro tabajara: obrigada!
ResponderExcluirDra dei entrada em um processo trabalhista no qual eu ganhei mas o acordo foi quebrado por parte da empresa e agora eu quero desistir. Tenho obrigação de pagar a advogada o valor normal que ela me cobrou pela causa mesmo sem eu esta recebendo?
ResponderExcluirsim, é bem óbvio. não foi ela quem quebrou o acordo. a parte dela ela fez, e bem, pois te conseguiu um acordo.
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