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Sobre o Juizado Especial Criminal – uma análise crítica da transação penal

Tendo alguma experiência prática com o atendimento no Juizado Especial Criminal (JECrim) e muito interesse técnico no assunto (quero dizer com isso que leio bastante a respeito), me permito fazer uma análise dessa Instituição e dar minha opinião.
Primeiramente, combato o argumento de que o JECrim se destina ao crimes de ‘menor potencial ofensivo’, pois considero esta denominação para os crimes com pena menor de 2 anos completamente inapropriada, quase mística até!
Como dizer que o crime tem menor potencial ofensivo? Para quem? Para a sociedade? Mas a sociedade é um ente “sociológico”, e no caso concreto, existe uma vítima em concreto (ainda que o Ministério público seja, por vezes, titular da ação penal).
Estou certa que para a vítima o crime não teve menor potencial ofensivo.
Um soco na face, uma ameaça de morte para pessoas que convivem, uma lesão corporal em público, um crime que afeta a honra de forma profunda... são todos eles crimes tão insignificantes que uma cesta básica resolve?
Digo mais, se o critério é a pena menor que dois anos, o critério somente reforça a percepção de que as penas são brandas no Brasil. É o mesmo que dizer que crime com pena de até dois anos não vale nada!
Claro, estamos aqui falando somente daqueles casos em que o acusado pode ser beneficiado com o “julgamento” perante o JECrim.
Mas não acho nem relevante discutir essa questão, pois a sensação de impunidade de quem comete um ‘crime de menor potencial ofensivo’ reforça a idéia de que o estado não é vigilante e atuante no combate ao crime. (ver post sobre ‘teoria da janela quebrada’ neste blog).
No JECrim, não é nem discutido o mérito do fato criminoso. O promotor quase que imediatamente propõe a transação penal, não importando as circunstâncias do fato ou a personalidade do acusado.
Chega-se ao absurdo do promotor desvirtuar completamente o propósito da composição civil  e tentar ‘acordo’ entre noticiante e o noticiado no sentido de extinguir por completo o processo perante o JECrim, como se o fato nunca tivesse acontecido, sem ocorrer nem mesmo a transação penal!
Explico: sendo crime de ação penal pública, o titular da ação penal é o Ministério Público, ou seja, o promotor; jamais o noticiante! (aquele que reporta o crime na delegacia – ‘noticia criminis’). Dessa maneira, é inconcebível que haja qualquer tipo de ‘acordo’ entre acusado e vítima, pois a vítima não é parte do processo.
E mais: a composição civil tem caráter de restituição financeira das perdas materiais que o crime causou, portanto, só há que se falar nessa hipótese se houver perdas materiais ocasionadas pelo crime (o exemplo mais óbvio seria o crime de dano: art. 163 do Código Penal: "destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: pena – detenção, de um a seis meses, ou multa".).
Reproduzo aqui a lição de Maurício Trevisan, promotor de Justiça no RS, em artigo publicado no livro” Teoria e Prática dos Procedimentos Penais” (Editora Livraria do Advogado”:
“No tocante a composição civil(...), em infração penal pública incondicionada, não deve conduzir ao encerramento do feito, e sim apenas á amenização da proposta de transação penal de eventual pena a ser aplicada na sentença. E não se pode dizer que a vítima se desimportou com a persecução penal, pois veio na audiência preliminar para a qual foi intimada e em que foi encaminhada a composição.”
Além de todo o exposto, cabe dizer que a multa/penalidade aplicada pelo MP como resultado de transação penal é mecânica e, portanto, não presta o devido serviço que a Justiça requer.
Há uma tabela, inclusive com valor-limite, a ser aplicada. Não é avaliada as condições do crime e do acusado, não é requerida prova da renda que o acusado diz ter (que é levada em consideração para a aplicação da multa), não é considerado questões como se o acusado tem advogado público ou particular... Para alguém que contrata um advogado e paga, no mínimo, R$1.500, pagar uma cesta básica ou uma multa de R$500,00 (o teto aqui em Curitiba) após cometer um crime sai barato e compensa. A impressão que deve ficar no acusado que é culpado é de que a cada 5 anos é possível cometer qualquer um dos crimes com pena menor de 2 anos. Basta escolher qual!



Comentários

  1. Dia 22 de janeiro de 2012 haverá uma manifestação contra a crueldade praticada aos animais em Curitiba. Trata-se de uma caminhada da Pç Tiradentes ao Largo da Ordem, às 10 horas da manhã.

    Para quem não sabe, sou advogada voluntária da ONG de proteção aos animais www.becodaesperança.org e estarei participando deste ato devido a importância que dou aos animais e a todos os grupos de vulneráveis.

    Além disso, precisamos considerar que pessoas que praticam crueldade contra animais são sociopatas e não estão aptas a viver em sociedade, podendo praticar o mesmo tipo de crueldade contra qualquer outro ser (pesquisas psiquiátricas provam o alegado). As leis que temos hoje levam os praticantes deste crime ao Juizado Especial Cível, e a possibilidade de prisão e afastamento do indivíduo do convívio social é praticamente nula. (para saber mais sobre o JeCrim, visite http://saibamaisdireito.blogspot.com/2009/12/sobre-o-juizado-especial-criminal-uma.html )
    acesse o site www.crueldadenuncamais.com.br e verifique as informações sobre a Manifestação em sua cidade.
    abs.
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