Pular para o conteúdo principal

A ONEROSIDADE EXCESSIVA NO CÓDIGO CIVIL


I. Definição de contratos. Classificação em bilaterais ou unilaterais. Formas de resolução.

Contratos são acordo de vontades entre duas ou mais partes que não contrariem a lei. É espécie de negocio jurídico, regulado pela ‘autonomia da vontade’, o que significa dizer que o contrato é uma ‘auto-regulamentação de interesses privados’.

Entre as diversas classificações de contratos, ele pode ser classificado quanto aos seus efeitos, sendo dividido em:
  • Contratos Unilaterais
  • Contratos Bilaterais ou Sinalagmáticos

O contrato será unilateral quando só um dos contratantes assume obrigações em face da outra parte, ou seja, uma das partes não se obrigará a contraprestação.

Diz-se do contrato bilateral quando as responsabilidades obrigacionais existem para todos os contratantes, produzindo direitos e obrigações recíprocos.

O contrato se extingue normalmente por sua execução plena.
Embora a doutrina não seja unânime quanto aos termos usados, diz-se que ocorre a rescisão ou dissolução do contrato quando este termina antes da quitação integral das obrigações contratuais ajustadas.
Tratando apenas das causas supervenientes à formação do contrato, estas podem se dar pela:
  • Resolução (extinção do contrato por descumprimento); ou
  • Resilição (dissolução por vontade bilateral ou unilateral).
Podem ainda encerrar o contrato a morte de uma das partes, em caso de obrigações personalíssimas;  a prescrição; a decadência; e a falência.

A resilição bilateral (distrato) acontecerá quando as partes formularem novo acordo com finalidade de encerrar contrato anteriormente firmado.
Será unilateral quando houver previsão de encerramento do contrato por simples declaração de vontade de uma das partes (tecnicamente chamada de ‘denuncia vazia’).

A resolução, como dito anteriormente, acontece quando há inadimplemento do contrato.
Pode acontecer nas seguintes hipóteses:
  • Inexecução voluntária – impossibilitaria o cumprimento da prestação por culpa do devedor
  • Inexecução involuntária – impossibilita o cumprimento das obrigações em caso de força maior.
  • E, finalmente, em caso de onerosidade excessiva – quando evento extraordinário e imprevisível dificulta o adimplemento de tal forma que altere a equidade entre as partes, tornando o cumprimento da obrigação excessivamente oneroso ao devedor.


II. ONEROSIDADE EXCESSIVA

Antes da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), pode-se dizer que a doutrina e jurisprudência civilista dividia-se em correntes diferentes, sendo preponderante o entendimento do Direito Civil tendo caráter extremamente individualista, onde haveria plena liberdade de contratar.
O principio norteador do contrato podia ser bem resumido ao brocardo Pacta sunt servanda ( que significa “há que se cumprir os pactos”).

Havia, sim, a noção de boa-fé contratual e o entendimento do direito subjetivo submisso a função social. Em 1993, Maria Helena Diniz já trata do assunto sob o título ‘transformação da Teoria dos Contratos’.

Ainda que tais princípios (boa-fé e função social) tenham sido trazidos pela Constituição brasileira promulgada em 1988, não é possível dizer que os mesmos haviam se sobrepostos à liberdade plena de contratar.

Após o Código Civil de 2002 há uma clara mudança no entendimento sobre a ‘autonomia da vontade’. São aceitos hoje como princípios norteadores contemporâneos:
  • Boa-fé
  • Equidade
  • Função social

Estão, inclusive, previstos de forma explícita na legislação civilista:

“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. (grifos próprios)”

Também disciplinou sobre o tema o Conselho da Justiça Federal, na I Jornada de Direito Civil (setembro/2002), nos enunciados abaixo transcritos:

Enunciado 21. A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.
Enunciado 22. A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.
Enunciado 23. A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

Em vista desse novo entendimento entre os juristas, foi prevista a resolução do contrato por ‘onerosidade excessiva’, prevista nos arts. 478 e seguintes do Código Civil:

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. as condições do contrato.”


Para que seja caracterizada a onerosidade, são previstos os seguintes requisitos:
  • Que os contratos sejam de execução continuada ou sucessiva (contratos a serem cumpridos durante certo período de tempo, continuamente, ou seja, que não tenham execução instantânea);
  • Que haja acontecimento extraordinário e imprevisível;
  • Que a prestação torne-se excessivamente onerosa para uma das partes e, portanto, desproporcional;
  • Que a vantagem exagerada auferida a outra parte gere enriquecimento sem causa.

Cumprido os requisitos, o Código prevê, de forma prioritária, a resolução do contrato.

Inúmeras criticas recebeu o tratamento dado pelo legislador ao tema.
Os requisitos a serem cumpridos são irreais e afastam a possibilidade de resolução por onerosidade excessiva em muitos dos caso concretos.
Há possibilidade de contratos afetados pela onerosidade excessiva não causarem excessiva vantagem ao credor, mas tão somente tornar o adimplemento extremamente oneroso custoso ao devedor. É o caso de construtor autônomo afetado pela alta exagerada e imprevisível nos preços de materiais de construção com obrigação contratual de construir imóvel. Nessa hipótese, não haverá lucro indevido e exagerado da parte credora, que receberá apenas o imóvel nos termos contratados.
Ainda, o tratamento prioritário que recebe a resolução do contrato como forma de solução em detrimento da modificação dos termos contratuais e conseqüente manutenção do contrato não atende o principio da eqüidade.
Somente ao réu, parte que sofre menos os efeitos da onerosidade excessiva, poderá ser oferecida a modificação de cláusulas. Apenas no caso de contratos unilaterais, a devedor poderá pleitear o ajuste de suas obrigações contratuais.
Sob esse aspecto, é oferecida soluções diferentes para o mesmo problema: no caso de contratos unilaterais, a solução é menos gravosa. Esse tratamento contraria a moderna principologia do contrato.
Dessa forma, praticamente não resta outra solução ao devedor do contrato bilateral senão o encerramento do contrato, o que muitas vezes pode ir contra seu interesse. É o caso de devedor que compra uma casa ou carro a prestações que, socorrendo-se ao Judiciário por motivo de onerosidade excessiva contratual, não poderá pleitear a manutenção do bem contra o pagamento de prestações razoáveis; parece óbvio que o texto da lei, nesse caso, iria contra a vontade do autor da ação, que não desejaria abandonar o imóvel ou perder o carro.

Em complemento às criticas apontadas ao texto do Código Civil, faz-se um comparativo com o disposto sobre o tema no Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...)
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.”

Aos consumidores, somente é exigido que haja obrigações desproporcionais causadas por fato superveniente. Tal concepção não dificulta a prova da onerosidade excessiva nem prima pela resolução do contrato.

Dito isto, necessário deixar claro a diferença entre a aplicação do instituto da ‘onerosidade excessiva’ e a Teoria da Imprevisão.


III. Teoria da Imprevisão.

Prevista no Código Civil em seu art. 317, a referida Teoria baseia-se na cláusula rebus sic stantibus (que significa “assim estando as coisas...”), pela qual entende-se que os termos do contrato devem ser mantidos enquanto perdurarem as relações fáticas do momento em que o mesmo foi estabelecido.

No Código Civil, a Teoria da Imprevisão está explicitamente exposta:

“Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

A Teoria da Imprevisão prevê que havendo fato superveniente que origine vantagem excessiva para uma das partes enquanto sobre a outra parte recai excessiva onerosidade, tornando o adimplemento da obrigação extremante gravoso, sem que haja culpa do devedor, visto que a desproporcionalidade tenha sido resultado de fato absolutamente imprevisível (nexo causal), será possível ao devedor requerer a mudança das clausulas contratuais, visando restabelecer o equilíbrio das prestações.

Necessário dizer que ‘onerosidade excessiva’ e Teoria da Imprevisibilidade’ não se confundem.

A teoria da Imprevisão está intimamente atrelada a situações imprevisíveis, enquanto a ‘onerosidade excessiva’, em sua acepção original, apenas requer a ocorrência da mudança da situação fática, causando insuportabilidade no cumprimento da obrigação para uma das partes.

Apenas optou o legislador vincular a onerosidade excessiva à Teoria da Imprevisão.

Ilustrando o endentimento da matéria, uso as palavras de Nelson Nery e Rosa Maria Nery:

"A onerosidade excessiva, que pode tornar a prestação desproporcional relativamente ao momento de sua execução, pode dar ensejo tanto à resolução do contrato (CC 478) quanto ao pedido de revisão de cláusula contratual (CC 317), mantendo-se o contrato. Esta solução é autorizada pela aplicação, pelo juiz, da cláusula geral da função social do contrato (CC 421) e também da cláusula da boa-fé objetiva (CC 422). O contrato é sempre e, em qualquer circunstância, operação jurídico econômica que visa garantir a ambas as partes o sucesso de suas lídimas pretensões. Não se identifica, em nenhuma hipótese, como mecanismo estratégico de que se poderia valer uma das partes para oprimir ou tirar proveito excessivo de outra. Essa idéia de 'socialidade' do contrato está impregnada na consciência da população, que afirma constantemente que o 'contrato só é bom quando é bom para ambos os contratantes" ("in" Código de Processo Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2a ed, Editora RT, 2003, pág. 358, comentários ao artigo 478).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mataram meu gato

Dia 23/01/2009 mataram meu gato envenenado. Aqui vou fazer uma abordagem jurídica do ocorrido e não vou discorrer sobre a covardia e crueldade de envenenar um animal indefeso. Primeiro, o comércio do veneno conhecido como chumbinho é ilegal. Portanto, é crime a compra e venda dessa toxina. Sabendo que alguma loja faz o comercio dessa substância, deve-se fazer denúncia a ANVISA que pode ser contatada por sua Ouvidoria no e-mail ouvidoria@anvisa.gov.br ou pela Gerência Geral de Toxicologia ( toxicologia@anvisa.gov.br ). Todos os dados são mantidos em sigilo e a identificação não é necessária. Também deve-s relatar à Vigilância Sanitária (por meio do telefone 156) e à subprefeitura do seu bairro. Já envenenar animais é crime disposto no art. 32 da lei Federal 9.605/9 (Lei dos Crimes ambientais) e no Decreto-Lei 24.645/1934 . Se houver flagrante, é possível chamar a polícia através do 190 (será que ela vem?); ou então fazer a denúncia na delegacia.

A importância da procuração ao advogado

Primeiramente, cabe dizer que procuração é um documento muito importante. Muito mesmo! A procuração serve para dizer ao mundo que determinada pessoa agirá em seu nome, com sua autorização e, juridicamente, como se você fosse. A procuração dada ao advogado para representar o cliente em juízo é conhecida por “Procuração Ad Judicia”.  Esta procuração terá validade para todos os atos em juízo, exceto aqueles listados no art. 38 do Código de processo Civil: Art. 38. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso. Esse rol de exclusão existe por causa da importância elevada que os mesmo têm. No entanto, é praxe o advogado apresentar ao cliente a procuração com os referidos pod

Voz de prisão em audiência (Advogados, juízes e promotores)

Começo explicando que, segundo a lei (artigo 301 do Código de Processo Penal), qualquer um pode dar voz de prisão a quem quer que cometa crime em flagrante, e, nesse caso, deverá ser auxiliado por autoridades policiais para que a prisão seja efetivada. Numa audiência, o juiz tem ainda a incumbência de manter a ordem pública no recinto e, baseado na sua função, deve, quando achar necessário (tumulto, ameaças, etc.), dar voz de prisão a qualquer um que esteja na audiência que ele preside. Até aí, tudo bem. Já houve casos em que, numa audiência de conciliação (Juizado Especial Cível de São Paulo), o réu, ao sentar-se, colocou sua arma sobre a mesa da sala. Nesse caso, o próprio conciliador, que muitas vezes é bacharel em Direito, pode e deve dar voz de prisão (o ato do réu configura crime de ameaça, ainda que somente por gesto). O problema é quando a voz de prisão está fundada no desacato. O artigo 331 define o crime de desacato: “Desacatar funcionário público no exercício da f