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Direito a Religião, candomblé e os maus tratos aos animais


Minha prática na advocacia é majoritariamente na área cível, mas vez ou outra atuo no Direito Criminal.
O Direito Criminal ambiental, especificamente o Direito dos Animais, é área pela qual tenho apreço especial.
Deparando-me com caso concreto de centro religioso onde se pratica o sacrifício de animais, e tentando, em vão, socorrer-me da polícia para flagrante de crime, deparei-me com a questão da liberdade religiosa versus o direito dos animais.
Discorro aqui sobre a questão.

A Constituição Federal do Brasil, norma máxima, dispõe no art. 5º, VI:

“é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”

A mesma Constituição também dispõe:

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.


§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

Ou seja, o mesmo diploma que assegura liberdade religiosa proíbe os maus tratos aos animais, tendo ambas as recomendações normativas a mesma força hierárquica. Da mesma forma, tem força hierárquica equiparada a liberdade religiosa e a proibição de “maus tratos a pessoa”:

Art, 5º,III, CF: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;”

Ora, não se admite uma religião que torture seres humanos e justifique o fato pelo mesmo ser parte da crença religiosa dos praticantes.
Qualquer culto religioso estará fadado a obedecer os limites legais – especialmente aqueles constitucionais.

O Estado não tolera em nenhuma religião, por exemplo, o cárcere privado, a promiscuidade entre adultos e crianças ou, como já dito, a tortura de pessoas. Não se admite nem por hipótese que tais práticas sejam justificadas pelo fato de que o ato ilícito faz parte do culto.
Por que crime de maus tratos aos animais (proibido pela constituição e por lei específica) deveria ser tolerado, se é tão ilegal quanto qualquer outro ato ilícito?
Não há justificativa de ordem lógica!

Tentando levar a questão à polícia, já que, sendo crime e ocorrendo flagrante, é perfeitamente cabível que a polícia militar efetue a prisão em flagrante, fui informada que o fato, sendo polêmico (em vista do direito a liberdade religiosa) não seria atendido; inclusive, tendo receio o policial de ser repreendido por ‘abuso de autoridade’.

(Absurdo!)

Seria o mesmo que ligar para a polícia contando o fato de que uma mulher, após apanhar do marido, o matou e, portanto, quem faz a chamada e requer a presença da autoridade policial ouve que não é necessário pois é caso de legitima defesa e ela estava no direito dela.

Independente de estarem presentes os requisitos da prisão em flagrante, havendo solicitação do cidadão para a polícia verificar a existência de crime, é inadmissível que seja usado como argumento o fato de que o tema poderia ser discutido juridicamente.

Acho óbvio que isso é matéria para o advogado de defesa do acusado, e não para o agente de polícia e/ou delegado. O crime é previsto em lei e, caso haja entendimento de permissividade para tal prática, isso só poderia ser discutido em um Tribunal!

Ainda que, por toda argumentação anteriormente exposta, eu não veja possibilidade jurídica que permita justificar e sobrepor a liberdade religiosa em relação ao sacrifício de animais.

Alguém tem argumento para tanto?

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Acho bom dar flagrante nos matadouros também. Caso você não saiba, os "sacrifícios" de animais, servem para alimentar a comunidade após a liturgia religiosa. Ou seja, não se "maltratam" animais, simplesmente por maltratar, mas sim para o preparo da comida - que será ingerida por quem ali quiser.

    Ou seja, seguindo a sua lógica, açougues, matadouros, fazendas que criam bovinos, caprinos, etc. para o consumo da carne, ferem o mesmo artigo que você invocou.

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    Respostas
    1. concordo. infelizmente, assim como no candomblé,também é ignorado o sofrimento do animal. mas as regras do abate estão mudando: http://www.funep.org.br/noticia.php?idnoticia=84 e também as do candomblé. caso vc não saiba, pessoas mais esclarecidas que praticam candomblé já admitem que o sacrifício dos animais era uma tradição simbólica que não precisa mais ser executada. http://verdesfolhas.blogspot.com.br/ .
      Seguindo a sua lógica, porque não sacrificar crianças ou virgens em rituais religiosos, e depois usar os corpos para algo útil ?
      O que eu defendo é a vida, e se o animal for criado para o abate, que seja de forma 'humanitária', sem qualquer sofrimento.
      Meu texto é coerente e eu não encontrei nenhum argumento seu que fizesse eu mudar de ideia. religião é fé e não deve praticar o mal à nenhuma forma de vida.

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