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Provocar acidente fatal por dirigir embriagado é homicídio doloso

Um amigo meu, muito querido, faleceu devido a um “acidente” na estrada:

(reprodução do texto de Diário da Manhã online, de 02 de março de 2009)


“Carlos Augusto de Almeida Júnior, 26, morreu ontem (1°), por volta das 20h 50, ao ser atropelado no KM-297, 4 da BR-060, trecho entre Acrúna e Indiara. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, Carlos trocava o peneu de seu carro, um GM Celta com placas de Curitiba, no acostamento da rodovia, quando foi atingido por um VW Gol, com placas de Indiara.

Segundo a PRF, o Gol havia se colidido lateralmente com outro veículo antes de atingir Carlos. O motorista do veículo, Jair Ferreira Barbosa, 38, fugiu, mas foi encontrado duas horas depois, com seu veículo batido em Acreúna.

A PRF afirmou que ele estava embriagado, com 0, 92 mg/l de álcool no sangue. Jair foi autuado em flagrante na Delegacia de Rio Verde por dirigir embriagado, omissão culposa, além de não possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Ele não portava os documentos obrigatórios, e foi multado em R$ 3500, 00.

Além de Carlos, um outro rapaz que o auxiliava na troca do pneu também foi atropelado. Paulo de Oliveira, 21, teve ferimentos graves, mas não corre risco de vida.”

Pois bem, cabe levar alguns fatos em consideração:

A família da vítima deverá nomear um advogado para trabalhar como assistente de acusação do Ministério Público, para que acompanhe de perto o inquérito policial e a denúncia do MP.

Há algumas classificações possíveis para o ocorrido, mas, pessoalmente, acho que o crime é de homicídio doloso; diz-se doloso porque o agente, ao dirigir alcoolizado, assumiu o risco de atropelar e matar alguém.

Não cabe falar em crime culposo, já que o fato passa longe da negligência (deixar de trocar os pneus quando necessário, por exemplo) ou da imprudência (falar ao celular enquanto dirige, por exemplo). É notório que dirigir bêbado é fato causador de acidente de trânsito, impossível argumentar que o autor não sabia da possibilidade de causar um “acidente”.

Para corroborar o que digo, reproduzo aqui a tese de Hans Frank para ilustrar o que é dolo eventual: “seja como for, dê no que der, em qualquer hipótese, não deixo de agir” (In Prado, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, pág.381, 7ª edição, editora RT)

A falta de socorro do agente corrobora a intenção que caracteriza o dolo eventual: mesmo depois da colisão, o agente continuou a praticar a conduta.

Nesse sentido, reproduza os seguintes julgados:

"DELITO DE TRÂNSITO. DESCLASSIFICAÇÃO. HOMICÍDIO DOLOSO.
A Turma proveu o recurso, cassando o arresto recorrido que desclassificou crime de trânsito de doloso para culposo (art. 410 do CPP). No caso, restabeleceu-se a sentença de primeiro grau, determinando o julgamento do réu pelo Tribunal do Júri por dirigir embriagado e em alta velocidade, causando três mortos no interior do carro, consoante comprovado tanto na denúncia quanto na sentença de pronúncia. Dada a cruel gravidade da conduta do réu de assumir o risco de dirigir em alta velocidade após ingestão excessiva de álcool, tem-se como manifestamente comprovado o dolo eventual, eis que presentes incontrovertidamente as elementares factuais. Precedentes citados: REsp 155.767-GO, DJ 25/5/1998; REsp 140.961-GO, DJ 6/4/1998; REsp 103.622-GO, DJ 5/5/1997, e REsp 95.127-GO, DJ 14/4/1997. STJ, Quinta Turma, REsp 225.438-CE, Rel. Min. José Arnaldo, julgado em 23/5/2000, publicado no Informativo 59 do STJ.

“JÚRI. HOMICÍDIO. LESÕES. OMISSÃO DE SOCORRO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. Colher pedestre em acostamento, em velocidade incompatível para o local, sob influência etílica, caracteriza o dolo eventual. Previsão concreta do resultado/colisão altamente provável, com preferência pelo risco assumido quanto à sua produção. Decisão afinada com a prova dos autos.

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DELITO DE TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. Em regra os delitos de trânsito caracterizam culpa “stricto sensu”. O dolo eventual somente se configura quando a conduta do agente ultrapassar os limites da normalidade. Sentença confirmada”.
(Recurso Crime nº 695110239, 2ª Câmara Criminal do TJRS, Soledade, Rel. Constantino Lisbôa de Azevedo, 19.10.95).


DOLO EVENTUAL - ACIDENTE DE TRÂNSITO.
Para atender reclamos sociais contra aquilo que denominam de impunidade pelas penas brandas em acidente de veículo, a jurisprudência tem aceitado a tese do dolo eventual em que o agente, depois de beber grande quantidade de cerveja, em casa noturna, sai em velocidade elevada e abalroa outro veículo estacionado, ferindo várias pessoas. Apelo improvido. Condenação mantida.
(Apelação Crime nº 694035692, 4ª Câmara Criminal do TJRS, Carazinho, Rel. Des. Érico Barone Pires, 23.06.94).

JÚRI. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CONCURSO FORMAL DE CRIMES. O réu, com uma só conduta, provocou a morte de uma pessoa e lesões corporais em outras duas. Tendo o conselho de sentença reconhecido a existência do dolo eventual para o homicídio, não poderia responder diferentemente no que pertine aos delitos conexos, de lesão corporal, produzidos pelo mesmo comportamento. Destarte, e descabida a nulidade, mesmo que parcial, do julgamento pelo júri, argüindo-se a falta de quesitação do dolo eventual em relação aos crimes conexos”.
(Apelação Crime nº 696064955, 3ª Câmara Criminal do TJRS, Canoas, Rel. Des. Nilo Wolff. j. 10.10.96)."



O acusado deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri, respondendo também pelos crimes correlatos ao homicido: lesão corporal dolosa, dirigir sem carteira de habilitação e omissão de socorro.

Alheio a todos esses fatos jurídicos, cabe usar esse espaço para lamentar profundamente a morte deste amigo, uma pessoa de ótimo caráter que despertava nossos melhores sentimentos.

Comentários

  1. O mesmo ocorreu com um amigo meu em Teodoro Sampaio, interior de São Paulo. Ele (Jair) voltando do trabalho no dia 12/07/09, teve seu veiculo atingido de lado por um outro veiculo, que conduzia cerca de 7 pessoas, onde foi constatado pelo agente policial local que o condutor do veículo, "apresentava sinais evidentes de embriaguez". Trata-se, portanto, de homicídio doloso? Dolo eventual? Lesão corporal grave? Fica a saudade...

    ResponderExcluir
  2. Boa tarde,

    Um amigo meu sofreu um acidente grave numa ciclovia provocado por outro ciclista. O tal ciclista fugiu e não prestou socorro. Meu amigo bateu a cabeça no meio fio e foi internado em estado grave num hospital do Rio. Esse incidente, infelizmente, é comum nas ciclovias onde não há respeito a velocidade permitida, nem muito menos as faixas sinalizadoras. O que fazer? Esse indíviduo que cometeu esse delito pode ser julgado por qual especificação criminal e responder a qual pena?

    Aguardo a sua ajuda.

    Grata,

    Maria Gorete.

    ResponderExcluir
  3. Olá Maria Gorete,
    sinto muito pelo ocorrido.
    Para responder seu comentário, farei novo post neste blog (ver: Acidente com ciclista, de 05 de maio).

    abs., Mariana Alonso

    ResponderExcluir

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